|
|
Carta enviada à família pela creche comoveu Júlia e a levou a buscar uma forma de participar e ajudar |
Um,
dois, três, 40, 50, 999… Embora seja apaixonada por matemática, a
mineira de Belo Horizonte Júlia Fernandes Rodrigues Macedo, de 9 anos,
ainda não conseguiu fechar a conta do lacres de latinhas de refrigerante
e cerveja que já enchem mais de 70 garrafas PET com capacidade para
dois litros. Ela precisa de 80 garrafas cheias para trocar por uma
cadeiras de rodas, que será doada à Creche Tia Dolores, instituição com
sede no Bairro Saudade, Região Leste da capital, que acolhe crianças
carentes com paralisia cerebral. “É apenas uma gentileza”, diz a menina,
de poucas palavras e de sorriso iluminado.
O que despertou o ato
solidário em Júlia? Simples: gentileza atrai gentileza. Os pais, Nelson
Flaviano de Macedo e Ivete Rodrigues de Macedo, pequenos empresários,
fizeram uma doação em dinheiro à creche. O agradecimento chegou à
família em carta. Não uma correspondência comum, mas impressa em
bonequinhos de papel. Aqueles, que, recortados, ficam de mãos dadas. Com
certeza, arte feita pelas próprias crianças da instituição. Uma maneira
de estimular a atividade cerebral.
A menina ficou encantada e quis retribuir,
mas como? Pesquisa na internet a levou ao site do Rotary Club de
Blumenau (SC), parceiro da promoção de uma empresa para a doação de
cadeiras de rodas. Os lacres são derretidos para fabricação das rodas
das cadeiras doadas. Duas ações em uma só: reciclagem e benevolência.
Júlia
não perdeu tempo. Nem sequer parou para pensar o trabalho que daria
encher as 80 garrafas de plástico com os pequenos lacres. “Depois de 25
dias, não havíamos chegado nem à metade da PET. Eu dizia que a garrafa
estava quase vazia”, conta Nelson. Mas a Julia, com os olhos cheios de
brilho, respondeu: “Não, pai. É diferente, a garrafa está quase cheia”. O
empresário, então, se encheu de coragem para ajudar a menina a levar o
projeto adiante.
|
|
Júlia precisa de 80 garrafas cheias para trocar por uma cadeira de rodas, que será doada à Creche Tia Dolores |
Júlia é aluna do 3º ano do ensino fundamental da unidade Coração
Eucarístico do Colégio Santa Maria. Sua decisão contagiou colegas,
professores, diretora e até os funcionários da cantina. E a coleta de
lacres aumentou consideravelmente. “Nas festas da escola, como a junina,
é grande a arrecadação”, diz a mãe, Ivete. Até o último fim de semana,
menos de quatro meses depois, faltavam apenas seis garrafas cheias para
completar o lote. São pelo menos 550 lacres em cada recipiente. A menina
guarda o material na sede da empresa do pai, no Bairro Glória, na
Região Oeste.
Também com ajuda dos pais, ela produziu
um folder, ilustrado, com este texto: “Venha fazer o bem. Vamos juntos
recolher o maior número possível de lacres de latinhas para trocar por
cadeiras de rodas. A cada 80 garrafas PET de dois litros cheias,
conseguimos uma cadeira de rodas. Entre nessa corrente. Faça sua parte.
Não custa nada e ainda faz bem”. Não precisava tanto, porque a simples
ação foi o suficiente para conseguir apoio de colegas e mestres.
MULTIPLICAÇÃO
Júlia é uma criança como a maioria. Tímida, gosta de brincar – tem
preferência por pular corda – e promete ser professora de matemática.
Pratica esportes na escola e se dedica também ao aprendizado de inglês. A
diferença é que nela despertou cedo o espírito solidário e surpreende
por tê-lo multiplicado no colégio. “Incrível como a ação dela mexeu com
os colegas, a escola. Agora, todos estão envolvidos”, diz Nelson, com os
olhos carregados de orgulho da garota. Júlia não vê a hora de pegar a
cadeira de rodas e levá-la à Creche Tia Dolores. “Meu coração vai ficar
muito feliz”, acredita a menina.
É bom contar que a gentileza não
brotou no coração de Júlia por acaso. Todos os anos, perto do Natal, os
pais presenteiam crianças de outra creche. E a menina os ajuda com os
embrulhos. E faz mais: “Pego os brinquedos que já não uso e roupas para
dar às crianças mais pobres.” E tem mais o que aprender em família. A
mãe é defensora da reciclagem e lamenta a ausência de coleta seletiva em
todas as regiões da cidade. Júlia não sabe ainda, mas descobriu na
força de uma palavra que pode mudar, e muito, os rumos do homem:
gentileza.