O meu melhor amigo não sabia ser indiferente. Viveu o tempo todo recolhendo os que estavam caídos e desacreditados. Ele foi um ser humano inesquecível. Entrava em lugares proibidos e dormia na casa de pessoas abomináveis. Trocou santos por Zaqueu, doutores por Mateus. Não se preocupava com o que os outros estavam achando dele, mas ocupava-se de sua vida como se cada instante vivido fosse o último.
Meu melhor
amigo tinha o poder de ser irreverente. Ele olhava nos olhos dos
fracassados e lhes restituía a coragem perdida. Segurava nas mãos dos
cansados e os convencia que ainda lhes restavam forças para chegar.
O meu melhor
amigo era desconcertante. Tinha o dom de confundir os sábios e encantar
os simples. Eu, certa vez, também me encantei com ele. Chegou num dia em
que eu não sei dizer qual foi. Chegou numa hora em que não sei
precisar. Sei que chegou, sei que veio. Entrou pela porta da minha vida e
nunca mais o deixei sair. Somos íntimos. Minha fala está presa à dele.
Eu o admiro tanto que acabo tendo a pretensão de querer ser como ele. Já
me peguei cantando para ele os versos de Tom Jobim: “Não há você sem
mim e eu não existo sem você!” Ele sorri quando eu canto.
Meu melhor
amigo me ensina a ser humano. Ele me ensina que a vida é uma orquestra
linda, mas dói. Ele me ensina a apreciar os acordes tristes... e aí dói
menos. A beleza distrai a tristeza. Foi assim que eu assisti à sua morte
na Sexta-feira Santa. Eu sabia que era passageira. Era apenas um
interlúdio feito de acordes menores, dilacerantes de tão tristes. Meu
amigo não sabe ser morto. Ele gosta é de ser vivo, vivente! E é assim
que eu entendo a dinâmica da Ressurreição. Quando digo: “Ele está no
meio de nós!” eu estou convidando o meu amigo a ser vivo através de mim.
Quem ama, de verdade, leva sempre a criatura amada por onde vai. E é
assim que o amor vai se tornando concreto no meio de nós. É assim que a
vida vai ficando eterna... e a gente vai ressuscitando aos poucos...
As pessoas olham para mim... eu espero que elas não me vejam... eu espero que vejam o meu melhor amigo, em mim.
Padre Fábio de Melo
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