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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

SÃO VICENTE

A História da origem do nome de São Vicente começou há muito tempo, no ano 325, na cidade espanhola de Huesca, uma então Província de Saragoza. Lá nasceu o jovem Vicente, padre dedicado que se destacava por seu trabalho, tanto que o bispo de Saragoza, Valério, lhe confiou a misSão de pregador cristão e doutrinador catequético.
Valério e Vicente enfrentavam, naquela época, o imperador Diocleciano, que perseguia os cristãos na Espanha. Os dois acabaram sendo presos por um dos homens de confiança do imperador, Daciano, que baniu o bispo e condenou Vicente à tortura. O martírio sofrido por Vicente foi tão brutal, a ponto de surpreender os carrascos. Eles relataram a impressionante resistência do rapaz que, mesmo com gravetos de ferro entre as unhas e colocado sobre uma grelha de ferro para ser queimado aos poucos, não negou a fé cristã.
Ao final daquele dia 22 de janeiro, os carrascos decidiram matar-lhe com garfos de ferro, dilacerando-o completamente. Seu corpo foi jogado às aves de rapina. Os relatos dão conta de que uma delas, um corvo, espantava as outras aves, evitando a aproximação das demais. Os carrascos decidiram, então, jogá-lo ao mar.
O corpo de Vicente foi resgatado por cristãos, que o sepultaram em uma capela perto de Valência. Depois, seus restos mortais foram levados à Abadia de Castes, na França, onde foram registrados milagres. Em seguida, foram levados para Lisboa, na Catedral da Sé, onde estão até hoje. Vicente foi canonizado e recebeu o nome de São Vicente Mártir, hoje santo padroeiro de São Vicente e de Lisboa. Desde então, o dia 22 de janeiro é dedicado a ele.
Por isso, quando a expedição portuguesa comandada por Gaspar de Lemos chegou aqui, em 22 de janeiro de 1502, deu à ilha o nome de São Vicente, pois o local era conhecido, até então, como Ilha de Gohayó.

Outro navegador português, Martim Afonso de Sousa, chegou aqui exatamente 30 anos depois, em 22 de janeiro de 1532. Ele foi enviado pela Coroa Portuguesa para constituir aqui a primeira Vila do Brasil e resolveu batizá-la reafirmando o nome do santo daquele dia, São Vicente, pois era reconhecidamente um católico fervoroso.

Martim Afonso de Sousa não veio diretamente para São Vicente. Em janeiro de 1531, ele chegou a Pernambuco e, dali, mandou um mensageiro voltar a Portugal levando notícias ao Rei, enquanto seguia para o Sul. Aportou na Bahia, onde se encontrou com o famoso Caramuru. De acordo com os registros, em 30 de abril de 1531 ele chegava à Baía da Guanabara, onde mandou construir uma casa forte e instalar uma pequena ferraria para reparo das naus.

Em 1º de agosto, a expedição continuou seu caminho, chegando em 12 de agosto à Baía de Cananéia, onde o navegador português encontrou portugueses e espanhóis. Nessa viagem pela costa brasileira, durante quase um ano, Martim Afonso de Sousa enfrentou tempestades, assistiu ao naufrágio da nau capitânia e participou de um combate a navios franceses que faziam contrabando de pau-brasil.
Em 20 de janeiro de 1532, a esquadra vê surgir a Ilha de São Vicente.
Porém, o mau tempo impediu a entrada dos navios na barra e a descida à terra firme só aconteceu no dia 22 de janeiro. Coincidentemente, nesse mesmo dia, 30 anos antes, a expedição do também navegador português, Gaspar Lemos, havia chegado aqui e batizado o local como São Vicente, em homenagem a São Vicente Mártir. Martim Afonso de Sousa, católico fervoroso, ratificou o nome.
Isso porque, logo após a sua chegada, ele adotou as medidas recomendadas pelo Rei de Portugal e organizou um sistema político-administrativo nas novas terras. Assim, após batizar o local oficialmente como Vila de São Vicente, Martim Afonso de Sousa instalou aqui a Câmara, o Pelourinho, a Cadeia e a Igreja, símbolos da colonização e bases da administração portuguesa.
Para São Vicente, o título de Vila representava mais benefícios para o povo, já que esse era o termo utilizado pelos portugueses para designar uma cidade organizada. É desse fato que deriva o título vicentino de Cellula Mater da Nacionalidade, ou Primeira Cidade do Brasil.
Pela importância estratégica do local, Martim Afonso de Sousa coordenou, em 22 de agosto de 1532, as primeiras eleições populares das Três Américas, instalando a primeira Câmara de Vereadores do continente. Por esse motivo, São Vicente é considerado como o berço da democracia americana.
O navegador português também foi o primeiro a implantar a reforma agrária no Brasil, quatro séculos antes desse tema movimentar a classe política e a sociedade. Ao mesmo tempo, plantou a semente da industrialização e do desenvolvimento agrícola que fez com que, por volta do ano de 1600, São Vicente fosse conhecido como "o celeiro" do País.

Logo depois de chegar a São Vicente e instalar a organização administrativa que transformava o povoado em Vila, Martim Afonso de Sousa mandou demarcar terras e as distribuiu em lotes aos colonos. A posse era provisória, em alguns casos, e o donatário poderia utilizá-la apenas enquanto a cultivasse. O uso correto e a produção constante resultavam no título definitivo de propriedade.

Começou-se, então, o cultivo organizado de vários produtos, com destaque para o trigo, a vinha e a cana-de-açúcar. Para estimular o setor açucareiro, Martim Afonso de Sousa mandou erguer um pequeno engenho movido à água no centro da Vila, o primeiro engenho do Brasil.
Com o sucesso desse primeiro, outros engenhos foram construídos em toda a região e, em poucos anos, São Vicente já vendia açúcar e aguardente para outras Capitanias brasileiras e até exportava os produtos para o Reino.
Com o sucesso alcançado, o passo seguinte foi a organização de uma empresa mercantil para a comercialização do excedente, já que a produção era bem superior às necessidades do consumo local. Martim Afonso de Sousa, mais uma vez, foi o pioneiro em terras brasileiras. Foi dele a iniciativa de criar uma instituição que representasse diretamente os colonos nas negociações de venda local e exportação dos produtos locais, além da intermediação da aquisição de gêneros europeus.
O progresso da Vila era tal que muitos colonos portugueses pensaram em mandar vir as famílias que haviam deixado para trás. Foram tempos de glória, pois todo o movimento econômico da Ilha e redondezas era concentrado aqui. São Vicente abrigou o primeiro empório marítimo da costa, que se localizava onde hoje está o Porto das Naus. Também foi daqui que saíram as primeiras expedições portuguesas para o Interior, inclusive a que fundou a Vila de São Paulo de Piratiniga.
A agricultura prosperava nessa fase. Os índios cultivavam a mandioca, o milho, o arroz, o algodão e vários espécies de batatas. Além disso, eles industrializavam a farinha de mandioca e produziam variado artesanato.
O algodão nativo passou a ser cultivado, dando origem à indústria caseira de tecido. Nesse pormenor, as técnicas dos brancos prevaleceram sobre as nativas, embora os índios e os mestiços fossem os tecelões mais hábeis da Capitania.
A criação de gado, cavalos, ovelhas, cabritos e galinhas também teve início nessa época. Trazido da Europa pelo mar até o Porto de São Vicente, o gado era levado para a Bahia e outras Capitanias do Nordeste. Na direção do Oeste, chegaram aos currais de Goiás e Mato Grosso. Em Minas Gerais, eram famosas as manadas de gado dos criadores de São Vicente. A nova atividade econômica gerou emprego aos índios que aqui viviam.

Nos tempos da Fundação da Vila de São Vicente, as mais nobres famílias tupis dominavam as terras que Martim Afonso de Sousa tomaria em nome do Rei de Portugal. Os tupis eram formados por diversos grupos indígenas, em especial tamoio, carijó, tupiniquim e biobeba. O maior orgulho para a maioria das tribos era a força de seus guerreiros, tanto que eram reconhecidos pelos portugueses por suas habilidades durante as batalhas.

Naquela época, os tamoios eram maioria em São Vicente e a convivência deles com os portugueses era pacífica. Tanto que despertou a atenção da Igreja Católica, que achava que o relacionamento com os índios era uma deformação moral na conduta dos colonizadores. Isso porque os primeiros colonos logo adotaram os usos e costumes indígenas, em especial a poligamia.
De acordo com os registros, nos primeiros tempos, só vinham da Europa homens solteiros ou casados que deixavam lá suas famílias. Depois de meses no mar, mantendo contato com a simplicidade da moral indígena, eles entregavam-se ao concubinato. A situação era preocupante e surpreendeu os jesuítas recém-chegados que, além da misSão de catequizar os indígenas, também trabalharam para que os portugueses recuperassem sua condição de civilidade.
Mas nem todos os índios eram temidos pela Igreja. O Cacique Tibiriçá foi um forte aliado dos jesuítas e amigo dos portugueses. Chefe de uma grande nação indígena e sogro do português João Ramalho, que vivia em São Vicente desde 1493, ele comandou o desarmamento frente à esquadra de Martim Afonso de Sousa, garantindo a chegada tranqüila do fundador à nova terra.
Conta a História que, ao saber da aproximação das naus, Tibiriçá reuniu 500 homens armados com arcos e flechas e preparados para o ataque. João Ramalho, reconhecendo que a expedição era portuguesa, intermediou as conversações entre os colonizadores e o sogro. Tibiriçá e Martim Afonso de Sousa negociaram a paz e recolheram as armas.
Pouco tempo depois, atendendo a um pedido dos jesuítas, Tibiriçá transferiu sua tribo para um local próximo ao Colégio de São Paulo, com o objetivo de garantir a segurança. O Cacique cumpriu sua promessa e deu outra prova de fidelidade e amizade aos colonizadores quando impediu, com bravura, um ataque à Vila de São Paulo de Piratininga, em 1562. Sob o seu comando, a tribo lutou e venceu os guaianá e carijó. Esse foi apenas um dos problemas enfrentados pela Igreja Católica em terras brasileiras.

Aprovada pelo Papa Paulo III em 1540, a Companhia de Jesus era formada por poucos, mas ardorosos membros, preocupados em revigorar a fé católica. Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil em 1549, junto com Tomé de Sousa, liderados pelo Padre Manoel da Nóbrega. Eram pobres e pouco recebiam da Companhia para sobreviver. Comiam com os criados de governantes e contavam, mensalmente, com um cruzado em ferro para sua manutenção. Essa quantia era aplicada por eles no ensino dos meninos indígenas. Foi em São Vicente que o Padre Leonardo Nunes construiu, em 1549, a primeira escola-seminário para os meninos brancos e índios que, ampliada em 1553, tornou-se o 2.º Colégio dos Jesuítas do Brasil.

Eles estavam sempre mais suscetíveis às doenças, pois eram mal-alimentados, mal-abrigados, viviam sem higiene e andavam pelo meio das matas e rios para ir de uma aldeia à outra. A situação era tão precária que, em 1552, o próprio Padre Manoel da Nóbrega ainda vestia a única roupa que havia trazido consigo três anos antes.
É certo que o trabalho missionário produziu bons frutos na Vila de São Vicente e também na Vila de São Paulo de Piratininga, principalmente porque os religiosos percorriam as aldeias distribuindo presentes, socorrendo enfermos e ensinando músicas e brincadeiras às crianças.
Porém, a interferência dos missionários em relação ao trabalho escravo indígena começou a gerar problemas para os jesuítas.
Isso porque, cada vez mais, os colonos tratavam os índios com exagerada brutalidade, contrariando a Bula do Papa Paulo III, segundo a qual era vontade do Espírito Santo que se reconhecesse os índios americanos como verdadeiros homens.
A situação se agravou quando os padres procuraram influir nas autoridades locais. Além disso, receberam grandes propriedades por meio de doações dos donatários e, desafiando os colonos, decidiram passar a administração das terras para os índios. Em certo tempo, oficiais da Câmara de Vereadores chegaram até a expulsar os missionários da Capitania.
Nesse período, os índios também começaram a se rebelar contra o trabalho escravo e passaram a atacar as lavouras agrícolas espalhadas pela Vila de São Vicente. As tribos invadiam as terras, destruíam a plantação, quebravam as ferramentas e ameaçavam os colonos. E esse foi apenas um de muitos problemas que os agricultores tiveram que enfrentar aqui.

Embora em franco desenvolvimento, com a lavoura de cana-de-açúcar crescendo a olhos vistos, a Vila de São Vicente também enfrentava outros problemas além da constante ameaça dos índios. A primeira ocorrência grave se deu quando o espanhol Ruy Moschera, morador de Iguape, atacou a Vila, saqueando o porto e os armazéns e carregando tudo o que ele e seus homens podiam. Antes disso, derrotou em batalha o Padre Gonçalo Monteiro, vigário e homem de confiança de Martim Afonso de Sousa.

Em 1542, ocorreu o pior desastre natural em São Vicente. O mar agitado avançou demais, engoliu a praia a entrou pelas pequenas ruas, destruindo a Igreja Matriz, a Casa do Conselho, a Cadeia, os estaleiros, o pelourinho e inúmeras casas. A Vila teve que ser reconstruída um pouco mais distante do mar.
Mas nem tudo estava resolvido. Por volta de 1560, São Vicente sofreu um maciço ataque dos índios tamoio. Eles se aproveitaram da ausência dos homens, que haviam sido chamados em uma misSão de socorro no Rio de Janeiro, e queimaram as plantações, quebraram as ferramentas e utensílios agrícolas e destruíram as fazendas.
Em dezembro de 1591, a São Vicente foi saqueada pelo pirata inglês Thomas Cavendish, que retornava de um ataque a Santos. Ele e seus homens roubaram e atearam fogo em diversas partes da Vila, causando enormes prejuízos. O pirata fugiu, mas um temporal o impediu de seguir viagem Ele retornou e tentou uma nova investida. Porém, desta vez a População das duas vilas estava preparada e Cavendish foi repelido.
Em 1615, outro pirata atacou São Vicente. O holandês Joris Van Spilbergen dividiu seus homens e, enquanto um grupo saqueava a Vila para obter alimentos, o restante dos homens invadia a vila vizinha. Os piratas ocuparam o engenho e entraram em luta com os moradores locais. Os invasores foram expulsos e a vida, aos poucos voltou ao normal.
Com o passar do tempo, os problemas que surgiram eram de outra natureza, principalmente econômica, em virtude do crescimento da região e de São Paulo. A tenacidade de sua gente e a mística de ter sido a Primeira Cidade do Brasil fizeram com que São Vicente enfrentasse os séculos com altivez, mantendo lugar de destaque no contexto do Estado e da Nação.

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